OCORREU EM 1988
Nos anos 80 existia a tradição Nerd de matar uma tarde de trabalho para caminhar pelos corredores das feiras de tecnologia. A ideia era conhecer novidades, encontrar amigos, ver e, claro, ser visto.
Lembro que naquelas férias de software, o máximo era conseguir uma cópia de algum programa da moda, a custo zero. Os Baixaki da época eram nossos amigos que, com boas conexões com os expositores, operavam o milagre e faziam com que aquelas pequenas caixas retangulares de papelão virassem nossos troféus e tesouros. Bons tempos!
Em 1988 encontrei um colega de faculdade participando, como expositor, da feira de hardware. A empresa onde ele trabalhava estava expondo uma novidade: os computadores pessoais. Na época, aquilo me pareceu similar aos terminais IBM que utilizávamos para trabalhar com equipamentos de grande porte, portanto, não entendia sua grande animação com o novo produto. De qualquer forma, quando comentei que trabalhava em uma software house ele me puxou pelo braço para dentro do stand e iniciou uma apaixonada explicação técnica. De todo aquele discurso guardei um nome que no futuro viria a ter certa relevância: um sistema operacional em “janelas” .
Passado o entusiasmo inicial, ele confidenciou que sua empresa estava com um problema: eles tinham vendido 200 desses equipamentos para a sede local de um Banco estrangeiro, mas não existiam programas para rodar no equipamento. Da mesma forma, estava prevista a entrega de outros 200 equipamentos para outro cliente, nas mesmas condições. Em função disto, eles entendiam que, para permitir a expansão dos negócios, seria fundamental encontrar um parceiro que desenvolvesse os sistemas requeridos.
A oferta era simples: eles treinariam os desenvolvedores no novo sistema operacional e nas linguagens de programação a serem utilizadas e, de brinde, entregariam de bandeja os clientes. Eles não queriam entrar na indústria do software.
Voltei para casa muito ansioso e mal consegui dormir à noite pensando nas possibilidades que essa oportunidade poderia abrir. Eu sabia, pelos papos nos corredores, que a Empresa na qual trabalhava estava desesperada por novos clientes. Portanto, essa oportunidade tinha chegado na hora certa!
No dia seguinte, pela manhã, pedi para conversar com nosso Diretor Comercial que, na época, era tudo o que eu gostaria de ser: um profissional com uma fantástica cultura de TI, poliglota, articulado, seguro de si, simpático e muito bem humorado. Lembro que quando tínhamos que visitar um cliente, entendíamos que só a presença dele já era meio caminho andado para fechar o contrato.
Ele me recebeu e foi muito gentil durante nossa conversação. Depois que expus o projeto ele comenta: “Cristian, entenda, nosso negócio é desenvolver software para equipamentos de grande porte. Os computadores pessoais não passam de brinquedos que logo vão desaparecer”.
Eu saí muito triste e frustrado dessa reunião. Mesmo tendo pouca experiência profissional, não pude evitar a sensação de que estávamos cometendo um grande erro.
Menos de um ano depois a Empresa fechou. Mocinhos e bandidos foram todos parar na rua!
OCORREU EM 1997
Em 1997 fiz um curso na FGV /SP. No primeiro dia de aula a professora faltou por problemas pessoais, mas ela foi brilhantemente substituída pelo seu marido, também professor da FGV. O tema da aula, que não estava no programa, foi “Economia Digital”.
Uma das primeiras perguntas que ele fez foi: quantas pessoas da sala tem e-mail? De um total de quarenta, apenas três levantaram o braço. Eu fui um deles. Um amigo tinha criado um e-mail para mim, mas na época, não tinha muito clara sua utilidade.
O resto da aula foi uma viagem ao futuro próximo, onde ele comentou sobre: gestão do capital intelectual, geração de novas tecnologias, novas estruturas organizacionais, criação de equipes virtuais, ataques de hackers, uso de dinheiro de plástico, expansão das empresas globais, novas formas de organizar o trabalho, novos processos de produção, concorrência internacional por empregos, entre outras coisas. Ufa!
O recado final foi claro: ou você se preparava para esse novo mundo ou ficará eternamente preso no século 20. Eu diria que, dependendo de onde você estivesse trabalhando, poderia ter sido século 19. De qualquer forma, lembro que, mais uma vez, eu não dormi à noite. Recebi a mensagem como um “soco no estomago”.
No ano 2000 mudei de emprego e comprovei que a bola de cristal daquele professor estava muito bem configurada, pois comecei a conviver exatamente com a realidade descrita acima. Na época agradecia pelo “soco no estomago”, pois eu tinha me preparado para o que estava acontecendo e pude aproveitar muito bem as novas oportunidades.
Lamentavelmente, muitos dos meus amigos ficaram para trás. Alguns deles assistiram à mesma aula que eu assisti, mas não acharam nada de mais. Ainda hoje, vejo que eles fazem esforços heroicos para entrar no século 20. Bom, já é um começo.
OCORREU EM 2016
Recentemente assisti a uma palestra sobre novas formas de organização e trabalho.
Entre outras coisas, o expositor falou da desintegração das organizações tradicionais e a criação de novas estruturas mais flexíveis e interconectadas, onde os empregados tradicionais seriam substituídos por colaboradores temporários, focados no atendimento de necessidades pontuais e na solução de problemas específicos.
Em este novo modelo, os organogramas dariam lugar a mapas de necessidades a serem atendidas. Seria, portanto, isso o que orientaria a solicitação e contratação de serviços.
Em paralelo, as áreas de suporte seriam eliminadas das organizações, sendo substituídas por novos provedores, coletivos ou individuais, que passariam a orbitar em torno dessas organizações, atendendo, simultaneamente, várias delas.
Como consequência natural, a área de Recursos Humanos desapareceria, pois não haveria mais empregados para administrar. Por outro lado, com tantas interconexões, provavelmente surgiria a figura do Gestor de Conflitos. Alguém se habilita?
Essas afirmações me fizeram voltar àquela sala de aula de 1997. As reações de alguns colegas que estavam assistindo a palestra e outros com os quais conversei sobre esses novos conceitos me fizeram lembrar aquele Diretor Comercial de 1988. Mas, pelo menos, desta vez, ninguém disse: não achei nada de mais.
Cristian Parada
Vice-presidente para América Latina e Caribe da XEROX. tem mais de vinte anos de experiência em RH, um MBA em Gestão de RH pela USP e iniciou sua vida acadêmica na área de Tecnologia.